quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Liderar ou mandar?

Algo que observo frequentemente entre nós é a tendência para minar a liderança. Creio notar toda uma série de técnicas usadas vulgarmente para fazer isto. Como resultado criam-se condições para apenas “sobreviverem” as lideranças que associem duas características (da valor duvidoso...): (1) querer mandar e (2) ser capaz de se impor pela “força”. Lideranças com um estilo mais de facilitador / visionário, dificilmente sobrevivem se não possuírem as duas características que refiro acima. Porquê?

• Falta-nos auto disciplina. Dito de outra forma, seguimos pouco a princípios e mais à autoridade. Dito ainda de outra forma, para cumprirmos uma regra é necessário que esteja por perto uma “autoridade” a quem nos devemos subjugar. Se a autoridade não estiver, ou se não se souber impor, temos a tendência para abandalhar o cumprimento da tal regra (mesmo que compreendamos a sua razão de ser)
• Temos dificuldade de olhar para a liderança como um serviço ao grupo. Um serviço que ajuda o grupo dando-lhe coesão e direcção e, por isso, eficácia. Temos mais tendência para olhar para a liderança como uma espécie de prémio para quem se conseguiu guindar ao topo. Um prémio por ser o mais rico, o mais autoritário, o mais velho, o mais forte fisicamente, etc.
• Das características acima resulta que o líder define as regras de cujo cumprimento deve ser dispensado e os privilégios especiais de que deve beneficiar. Ter privilégios e estar acima das regras é algo que não choca ninguém uma vez que o líder está na posição mais de vencedor de uma competição do que na de alguém a prestar um serviço ao grupo, escolhido pelo grupo pelo seu mérito e capacidade para prestar o referido serviço.

Porque esta forma de encarar o que é liderança é algo partilhado por demasiados de nós, é natural que regularmente o líder tenha de “colocar no lugar” os possíveis competidores, ou apenas os que quiserem testar a firmeza de quem manda. É também natural que regularmente os mais atrevidos do grupo façam algumas tentativas para “abandalhar”, apenas para testar as suas chances de se tornarem alternativas, ou apenas para testar a solidez de quem está naquela posição. Ou ainda apenas para criar um pouco de confusão e, no meio desta, aumentar as possibilidades de retirar algum benefício de um ambiente desestruturado.

O que me parece apaixonante é encontrar estes tiques (nos grupos e nos líderes) a manifestarem-se tanto em ambientes onde está em jogo um poder considerável como em ambientes onde se lida com um podersinho minúsculo. Recordo-me de me terem contado sobre um ministro do GURN ter chamado um seu vice-ministro que estava a ficar demasiado visível, para lhe perguntar, com maus modos, se ele sabia quem mandava. Em pequenos grupos de que faço creio observar constantemente este tipo de dinâmica.

Resisto a acreditar que seja inevitável que o exercício da liderança tenha obrigatoriamente de seguir esta lógica. Creio até já ter visto, directamente, grupos a funcionar segundo a tal lógica da liderança como uma função ao serviço do grupo. A lógica do líder como um vencedor parece-me mais o resultado de um certo “primitivismo” e imaturidade na forma de nos relacionarmos com o poder.

De onde virá isto? Embora não seja propriamente um especialista eu colocaria algumas possibilidades.
• Desde crianças que vamos sendo condicionados a vergar-nos mais à força do que à razão. Atrever-me-ia a dizer que na infância de muitos de nós foram comuns as situações onde o menino mais forte, fisicamente, é colocado a tomar conta dos outros. Ou, ainda, as situações onde os conselhos eram complementados com ameaças, ou mesmo uns tabefes. Ou colocar como razão para impor algo, o simples argumento de recordar quem manda.
• Desde criança que não estimulam em nós a capacidade de assumir as funções de liderança. Quando muito somos ensinados que devemos conquistar espaço pelo pulso. Condicionam-nos assim a entender que o mérito de liderar é essencialmente o de ser capaz de conquistar as coisas a pulso.

Será possível ser diferente? Acredito que sim. Creio já ter observado momentos, raros, de liderança realmente partilhada e de elementos de um grupo a reforçarem a liderança de cada um dos membros desse grupo. Para tornar isso mais comum é necessário que se cultive em cada um de nós a capacidade de lidar com as ansiedades e as necessidades das funções de liderança. É necessário que o grupo desenvolva a capacidade de apoiar os líderes com mérito (estou a falar de outros méritos para além do de ter capacidade de consolidar o seu poder) e de lhes retirar o tapete no caso de eles mostrarem estar demasiado afeiçoados ao gosto por mandar e aos benefícios que retiram dessa posição. Necessitamos de grupos que contribuam para que cada um desenvolva autoconfiança e algumas habilidades como a capacidade de estruturar o trabalho em grupo ou a de comunicar de forma clara com um grupo. Isto exige um esforço consciente para mudar uma cultura que está profundamente enraizada em nós. Basta olhar para os estilos de liderança que, aos vários níveis, acabam geralmente por se afirmar entre nós.

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