quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Constituição à mesa

Prestar atenção à conversa na mesa ou fila do lado, na sala de espera, restaurante, ou meio de transporte, não deve ser novidade para ninguém. As conversas que não nos dizem respeito despertam mais atenção, mas esta que escutei, e sobre a qual vos quero falar, não é propriamente sobre um assunto que não me diga respeito. Era sobre a constituição, e sobre a forma de eleição do presidente … Mesmo não sendo nem um doutor em leis (constitucionais ou outras), nem candidato ao posto, acredito que o assunto também me diz respeito.

Já vi defender o princípio de deixar estas discussões para os juristas e para os políticos por serem eles os especialistas no assunto. Creio já ter descoberto, desde há muito tempo, que em qualquer discussão ou negociação, o conhecimento joga um papel, mas os interesses jogam muitas vezes um papel ainda maior. Os peritos, como todos os outros, podem perfeitamente colocar o seu conhecimento ao serviço de interesses. O que não tem nada de errado, desde que exista a possibilidade de os negociar.

Mas voltemos à discussão que bisbilhotei, e perdoem-me se a minha transcrição não fôr muito fiel. Não tomei notas, nem tinha um gravador, e aquilo que retive tem que ver com o meu entendimento, limitado, destes assuntos. Simplificando o que ouvi para não vos maçar, havia naquela conversa um que valorizava a lei, e lhe dava importância, e um outro que tinha uma posição mais “pragmática”. Para quê perder tempo a discutir a constituição de forma ampla? Para quê perder tempo e dinheiro com isso? Dizia este último. O argumento era que a lei fica essencialmente nos papéis e acaba por ter um peso mínimo nos nossos assuntos do dia-a-dia. Para além, dizia ele, de já termos muitas leis, regulamentos, e tratados internacionais assinados por Angola, e cujo cumprimento é relativamente débil. Porque não investir mais no cumprimento destas?

O outro, embora reconhecesse o problema do pouco respeito pela lei, defendia que uma das razões por detrás desse problema é ser raro o envolvimento dos cidadãos na discussão das leis quando elas estão a ser preparadas. A discussão ampla dos princípios e das implicações de uma ou outra formulação deveria envolver todos. E defendia que quando não se participa, é mais fácil não se conhecer, e criam-se as condições para não se aplicar na prática as leis que são aprovadas. Por isso, dizia ele, é necessário fazer perceber que a discussão da constituição pode ser importante para todos nós. Muitas vezes esquecemo-nos que as regras (leis, tratados ou outros) servem para limitar o poder dos poderosos. Mesmo que os poderosos saibam tirar melhor partido das leis existentes, mesmo que eles sejam mais influentes no momento de criar a lei ou a regra, a ausência de regra ou de lei prejudica mais os mais fracos. A ausência de lei tem um nome: lei do mais forte.

O pragmático não se deixou convencer. Para ele a nossa sociedade prefere mesmo funcionar sem muitas regras, pois todos sonhamos que no meio da confusão podemos retirar um benefício superior ao que o direito e o mérito nos dariam. É o Luanda dá Sorte, mas aplicado a tudo e a toda a sociedade... Em vez de trabalhares, acumular riqueza que produzes e poderes prever o que vais obter, não é melhor tentares a sorte, no meio da confusão das bolas a girar, e esperar por um prémio desproporcionadamente grande se comparado com o esforço que colocaste na compra do bilhete? Porquê esperar o resultado do mérito? Não vês que a esperteza pode dar-te resultados bem mais espectaculares que esses do mérito?

Estava com uma enorme vontade de entrar na conversa e de atirar com o argumento do custo que tem para todos (e portanto para cada um) estar sempre a funcionar numa lógica de totoloto - no trânsito, na política, no emprego... Mas os tipos já estavam a ficar exaltados e meio agressivos, e o “pragmático” era bem constituído e bem mais forte do que eu e o outro tipo juntos. Preferi não testar se naquele caso se aplicaria ou não a lei do mais forte… e continuei calado a bisbilhotar, disfarçando o meu interesse.

A conversa ainda ficou mais tensa quando um deles trouxe para a discussão a forma de eleição do Presidente da República. Mas isto é assunto para o próximo artigo, para além de ser apenas um dos muitos assuntos importantes a serem definidos numa nova constituição.

O que é certo é que saí frustrado por não ter tido a possibilidade de dar a minha opinião. Tal como disse um deles, acredito que participar é o primeiro passo para dar a possibilidade destas regras e ideais de justiça saírem do papel e tomarem conta da sociedade.

3 comentários:

Bibbas disse...

Devias ter entrado na discussão SIM!!!...as pessoas "cheias das ideias", devem deixar o egoísmo e partilhar com os outros...mesmo que isso não esteja na lei!!!!:):)):e mesmo que estivesse podia ser atropelado...afinal nos já estamos habituados a isso...passou a ser normal, de tão frequente que é!!!!

Carlos Figueiredo disse...

Na realidade ao escrever eu entrei na discussão e puxei-vos a todos (os que lerem o que escrevo) para essa tal discussão...

Ó Bibbas tu querias ver-me a balbuciar no hospital, com os dentes todos partidos?

Aqui para nós... a história foi toda inventada só para vos falar do que interessa.

Por falar em discussão, não sei se leste a posição do Moco, no Semanário Angolense, sobre a possibilidade de eleição directa do Presidente da República. Moco falou claro e corajoso. Gostei!

Anónimo disse...

A mim me parece que em angola todos tem interesse em governar e de forma folgada - a maneira de Soba.

No entanto se esquecem da questao da laicidade, que por sinal, a semelhanca do poder politico, e tao importante. Os memos que se impurram para governar, negao qualquer pacto com Deus ou com diabo.

Em certo grau, em certa medida mesmo, tem razao porque frequentam ao mesmo tempo igreja e casas exocticas, vulgo kimbandeiros.

E bom tempo de afirmarmos a nossa identidade espiritual. Por outras palavras revelarmos ao mundo aquilo que somos: pois se continuarmos a nos revelar ao mundo como morcegos, este nunca sabera se somos rato ou passaro - dai a invasao e proliferacao de seitas religiosas em Angola.