domingo, 11 de janeiro de 2009

Desengarrafator III

Um filme de ficção científica feito por nós? Poderia ser mais uma das nossas famosas lições ao mundo. Nem que fosse apenas uma lição de descaramento, como outras que temos dado...

Estou a pensar num guião com a história de um miúdo que tinha feito um carrinho de lata e que estava sempre a emaranhar a corda de puxar o carrinho nas cordas dos outros miúdos. Ele e os amigos não se entendiam pois não tinham descoberto o custo, para todos, da falta de colaboração e da falta de regras (ou do não cumprimento das existentes). Os miúdos cresceram – infelizmente continuando confusionistas - e as suas viaturas evoluíram também tornando-se sofisticadas e mais inteligentes. A relação entre humanos e estas máquinas começou a mudar quando elas começaram a conseguir comunicar. Primeiro era só para avisar os condutores que não tinham o cinto colocado, que as luzes estavam acesas depois de retirar a chave, e outras coisas do género. Mas depois começaram a comunicar também entre si, protestando contra os seus condutores. Isto começou em Luanda, é evidente...

Em Luanda, as viaturas mais evoluídas, depois de observarem o comportamento dos seus condutores, começaram a trocar opiniões, às escondidas, quando estavam estacionadas. Um guarda que sofria de insónia e guardava um parque de estacionamento (um desses espaços abusivamente privatizados) ouviu claramente os carros a comunicarem entre si. A insónia do guarda foi importante para desmascarar o plano das máquinas contra os humanos. Não fosse isso e ele teria dormido como tantos outros guardas, e não teríamos descoberto a conspiração.

O plano dos carrões era simples. Consideravam que na raíz dos engarrafamentos actuais está um passado onde os meninos pouco hábeis emaranhavam constantemente as cordas dos seus carrinhos. Por isso decidiram enviar ao passado uma série de carrões sofisticados para eliminar os referidos meninos. Iriam assim terminar com os engarrafamentos do presente. Daí o nome destas máquinas: desengarrafators.

O guarda ouviu claramento os argumentos que eles avançavam. “Estes indivíduos que nos conduzem parecem menos inteligentes do que nós. Já viram quando decidem bloquear a faixa oposta áquela em que estão a rodar?” dizia um. “Os imbecis não entendem que bloqueando o escoamento do trânsito no sentido oposto geralmente só agravam o problema da sua própria faixa”.

Um outro, cujo dono gostava de ouvir no carro umas boas kizombas, em altos berros, partilhou o seu espanto. “Nas farras destes humanos, quando estão todos a dançar, começa por parecer uma grande confusão mas, olhando com atenção, vê-se a harmonia e coordenação com que se desloca toda a multidão. São muitos, movem-se em pouco espaço, mas não se atropelam nem bloqueiam os movimentos uns aos outros.” O carrão suspirou “Adoro quando fazem aquelas pausas, a meio da dança, nas tarrachinhas. Gosto de ver toda aquela coordenação e sincronização. Parece mesmo algo de muito desenvolvido e faz-me lembrar os tempos em que eu estava na linha de montagem lá na fábrica. Não entendo como eles não conseguem aplicar esta habilidade e harmonia quando conduzem e quando se relacionam.”.

Outra viatura, mais bruta, um Hammer, respondeu com desdém. “Deixa-te lá de lirismos. Na farra a música toca aos berros impondo o ritmo e a regra que serve de base para a harmonia que vês. Os tipos ficam meios surdos e já não ouvem mais regra nenhuma. A lei e a moral não se fazem ouvir aos berros como a música das farras deles… E eles são completamente surdos ao que não se imponha pelo grito e cegos ao que não se exiba pelo tamanho, pelo brilho excessivo e ou pela cor berrante. A única solução para acabarmos com estes engarrafamentos é mandarmos uma máquina ao passado e eliminar aquele amor pela confusão”.

Não tenho espaço para vos explicar como o tal guarda contactou a ANA-Engarramento (Associação dos Naturais e Amigos do Engarrafamento) que decidiu mandar, também ao passado, um Hiace velho mas duro, para defender os meninos confusionistas e salvar assim a desordem do presente.

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