domingo, 12 de outubro de 2008

Jornalismo, censura, propaganda e o OPSA

“O sopro vital do regime democrático é a Informação”. A afirmação do Jornal de Angola, com a qual estou completamente de acordo, num editorial dedicado ao Observatório Político Social de Angola (OPSA) a propósito de uma reflexão sobre as eleições. Pela leitura do jornal, e infelizmente não me refiro apenas a este editorial, rapidamente se verifica que não temos o mesmo entendimento sobre o que significa esse “sopro vital”. Estará o desacordo ao nível dos conceitos? Mesmo não sendo uma autoridade em comunicação, creio que o tal editorial não dá informação (não publica sequer excertos da reflexão do OPSA) nem se pode dizer que seja verdadeiramente uma peça de opinião. É verdade que tem muitos adjectivos e que fala de neofascismo e da luta contra os sul-africanos, um pouco a despropósito…

A propósito, não resisto a contar aquela anedota do camponês internado num hospital. Na ronda que fez à enfermaria, o médico, apressadamente, diagnosticou o falecimento do homem (que estaria talvez desmaiado e com o pulso muito fraco…). Quando, um pouco mais tarde, a enfermeira ia transportar o senhor para a morgue este, já reanimado, protestou dizendo que estava vivo. A enfermeira retorquiu indignada: Você estudou medicina? Quem é você para questionar o que disse o doutor?

Não sou especialista em comunicação mas sinto-me com direito a ter opinião. Não vejo razão para me calar perante um erro evidente de um doutor, em comunicação ou medicina. E uma das coisas boas que trouxe a internet foi a democratização no acesso ao conhecimento. A propósito, dei uma vista de olhos à Wikipedia, enciclopédia de acesso livre na Internet, fazendo buscas com as palavras-chave relacionadas com o editorial que me inspirou estas linhas: jornalismo, censura, propaganda, neofascismo e monitoria dos media. Nos parágrafos seguintes as partes em itálico são transcrições do que está na Wikipedia.
Jornalismo consiste em lidar com notícias, dados factuais e divulgação de informações. … prática de coletar, redigir, editar e publicar informações sobre eventos actuais.
Censura relaciona-se com controlar e impedir a liberdade de expressão. No sentido moderno, a censura consiste em qualquer tentativa de suprimir informação, opiniões e até formas de expressão... com o propósito de manter o status quo, evitando alterações de pensamento …. A censura procura também evitar que certos conflitos e discussões se estabeleçam. Uma forma moderna de censura prende-se com o acesso aos meios de comunicação e também com as entidades reguladoras (que atribuem alvarás de rádio e televisão), ou com critérios editoriais discricionários (por exemplo um jornal não publicar uma determinada notícia) [sublinhado por mim]. Por detrás da censura pode também estar uma visão que infantiliza o público, considerado como incapaz de pensar por si próprio. O uso quotidiano da censura promove … a auto-censura, onde os produtores culturais e formadores de opinião evitam tratar de questões conflitivas e divergentes.
Propaganda é um modo específico de se apresentar uma informação, com o objectivo de servir uma agenda. … não apresentando um quadro completo e balanceado do objecto em questão. Seu uso primário advém de contexto político, referindo-se geralmente aos esforços patrocinados por governos e partidos políticos.

Vou-vos poupar a transcrever o texto sobre neofascimo e sobre monitoria dos media. Garanto-vos que o documento de reflexão produzido pelo OPSA (que podem ler no Cruzeiro do Sul) nada tem que ver com neofascismo, e que monitoria dos media também não tem relação com censura… refere-se a observar matérias publicadas (enquanto a censura filtra para não se publicar). No entendimento do Jornal de Angola a monitoria promove a autocensura no seio dos jornalistas. Coisa que o JA não tolera...

Não é a Wikipedia ou a internet que cria estes conceitos. E mesmo que fosse, podíamos discutir se correspondem ao nosso entendimento de cada um deles. Até seria possível ir ao site, na internet, e alterar o conteúdo - sinto falta deste nível de abertura na troca de informação e conhecimento, e de debate sem insultos. Estou razoavelmente de acordo com a forma como estão expressos aqueles conceitos (jornalismo, censura, propaganda, etc) na Wikipedia. Por vezes até dá a ideia de que estão a falar de nós... Será que quem escreveu o referido editorial, no JA – editorial que devia ser de leitura obrigatória para os que estão a estudar jornalismo -, tem o mesmo entendimento? E conseguirá agir de acordo com esse entendimento? Tenho curiosidade em saber.

A reclamação, ou crítica, para que o JA ofereça mais jornalismo e, por isso, esteja mais ao abrigo de práticas de censura ou de propaganda, deve unir o público e os profissionais que lá trabalham. Por isso o editorialista do JA não devia ver como inimigos os que reclamam por evolução no nosso jornalismo. Todos teremos muito a ganhar com essa evolução.

sábado, 4 de outubro de 2008

O salvamento

No dia do juízo final não terei muito para apresentar a meu favor, no que toca a ter salvo vidas. Talvez por isso eu tenda a não acreditar que venha a ter de enfrentar realmente um dia do juízo final. Se tiver, paciência, lá estarei para justificar a minha descrença (argumentarei que não se acredita no que se quer, e que por isso não se deve punir a descrença). Vou ter também de justificar ter salvo tão poucas vidas, quando até vivo num país onde, infelizmente, não me devem ter faltado oportunidades para salvar vidas.

Salvei poucas vidas, mas recordo-me de uma salvação que foi dura e onde devido à minha firmeza uma vida foi preservada. Cheguei a casa à noite, depois de um dia de trabalho cansativo, e de um trânsito ainda mais cansativo, e encontrei os meus dois cães extremamente agitados e a morderem um gatinho que estava metido dentro de uma grade por onde a cabeça dele não passava mas com uma boa parte do corpo do lado do fora, puxado pelos cães. Nunca tinha visto os meus cães tão excitados. Pareciam verdadeiras feras, selvagens e perigosas, não fosse o facto de serem caniches… O mais pequeno, a fêmea, mais parecia o resultado do cruzamento de caniche com rato!

Consegui que os meus cães se afastassem do pobre gatinho que se abrigou num local da grade que estava fora do alcance dos cachorros. Abrigar-se, talvez não seja a palavra mais adequada pois, na realidade, ficou encurralado adiando apenas a festa que os meus cachorros queriam insistentemente recomeçar.

Como estava claro que mal eu me afastasse os cães iam voltar a uma atitude pouco civilizada e pouco hospitaleira (eles sentiam-se proprietários da casa, principalmente do quintal), e acabar por matar o gatinho, decidi terminar o salvamento (eu, que estava, mais uma vez, com vontade de deixar a obra a meio).

A muito custo consegui agarrar no animal com cuidado, para não o magoar, não imaginando que ele me ia cravar os dentes afiados no meu dedo indicador. Foi um choque ver a cravarem-me os dentes, exactamente quem eu estava a ajudar por estar preocupado com o seu estado miserável! Este episódio preparou-me para algo que me viria a acontecer mais tarde com o FONGA, mas isso é história para outro dia. Uma história onde, aliás, nem um dedo feri.

Só com a ajuda do guarda é que consegui que o gato descravasse os dentes do meu dedo. Se tivesse puxado o dedo, para o soltar da boca do gato, teria rasgado a pele e a carne onde os dentes estavam profundamente enterrados. Como me mantive focado no meu objectivo quase não reparei os furos por onde sangrei abundantemente, mas não por muito tempo.

Durante alguns minutos tentei acalmar o gato dando-lhe água e leite, para conquistar a sua confiança. Sempre a agarrá-lo pela parte trazeira do pescoço, para ele não voltar a morder-me. Coisa que tentava sempre fazer. Acabei por desistir, abandonando o gato, e a possibilidade de nos entendermos. Juro que nem sequer esperava que ele sentisse gratidão. Deixei-o a salvo dos cães e fui tratar de mim fazendo o curativo ao meu dedo. Reconheci com alguma tristeza que não iamos chegar nunca a uma situação em que tivessemos, eu e o gato, o mesmo entendimento da situação que para mim parecia evidente e sem margem para interpretações. Ele estava numa situação desgraçada e eu não tinha nenhum interesse no caso a não ser vê-lo sair daquela posição. Desisti. E não foi a única vez em que desisti de tentar comunicar por sentir uma barreira na comunicação, mais forte que a minha convicção que valia a pena quebrá-la…

Enfim, dormi com um dedo magoado, dois cães sem entenderem porque lhes interrompi o divertimento – ainda por cima em defesa de um estranho que nem sequer era da casa -, e com a família sem entender porque me fui magoar e arriscar a apanhar raiva ou tétano. Mas dormi com a sensação que tinha aprendido algo, por experiência directa. Não sei se o facto de ter salvo aquela vida, e o conhecimento que ganhei com a experiência, me aproximou ou afastou do céu (o tal do juízo final), mas senti que tinha feito a coisa certa. Dormi com a sensação como se fosse um pequeno herói. Herói incompreendido mas, mesmo isso, soube-me ligeiramente bem…