domingo, 9 de novembro de 2008

O Taxista

No caos que é o trânsito na nossa cidade, temos necessidade de encontrar um culpado. Somos tentados a atribuir papéis, nessa história diariamente sofrida por quem tem que percorrer as artérias entupidas desta nossa urbe. E, se é claro que o bom da fita somos normalmente nós, o papel de vilão é normalmente atribuído ao taxista, vulgo, candongueiro.

Os candongueiros, e as suas máquinas infernais, os azulinhos ‘hiaces’ ou, os menos afortunados, ‘starletes’. Os que aparecem por todos os lados, são os primeiros a formar uma fila a mais onde já não há lugar para mais nenhum carro, e provocam, tão frequentemente, o colapso na circulação, pois seguem religiosamente o moto de que a vida não pode parar, mas esquecem que, muitas das vezes, para que não se pare é preciso andar devagar, e garantir que todos andem. Acabamos por diabolizar esses jovens, que é raro estarem satisfatoriamente encartados, e que têm sobre os seus ombros a responsabilidade de fazer chegar ao seu destino uma percentagem elevadíssima da nossa população trabalhadora, ganhar o máximo para poder retirar o seu e dar o valor fixo ao patrão, e resistir às enormes pressões impostas pela cidade, pelo trânsito que ajudam a complicar, pelos agentes que os ‘penteam’.

Numa urbe sem um sistema de transportes públicos minimamente eficaz, são os ‘azulinhos’ que garantem que a cidade funcione. Eles são o nosso metropolitano, e, na sua aparente indisciplina, é de reconhecer uma assinalável capacidade de cumprir com algumas regras auto-impostas, como é o caso de apresentarem, regra geral, as viaturas limpas e cuidadas, e proporcionarem um tratamento aceitável aos seus clientes. Têm um espírito corporativo já por várias vezes demonstrado nas acções reivindicativas e de solidariedade que desenvolveram. E isso dá-nos a esperança que mesmo os comportamentos negativos que apresentam, como é a flagrante indisciplina no trânsito, possam ser eliminados se houver um maior acompanhamento da classe, um tratamento com mais justiça (e isso significa punir quando assim se justificar, mas não agredir nem explorar sem razão), se algumas regras do jogo forem mais claras, nomeadamente as ligadas ao processo de legalização da sua actividade, e se a polícia desempenhar o seu papel com rigor e de forma isenta.

Habituado a ver-lhe atribuído o retrato do vilão em qualquer conversa em que o taxista tem algum protagonismo, não deixou de ser uma surpresa agradável ver o reconhecimento por parte de várias pessoas, de um papel positivo, e uma postura humana e sensível de taxistas em várias ocasiões. Houve quem contasse o episódio da senhora que, num imprevisto, a família ‘esqueceu’ no Rocha Pinto, e como um taxista a retirou de uma situação que se complicava com a aproximação de um gang de jovens delinquentes, levando-a, sã e salva para junto dos seus. Ou como o taxista na estrada Luanda-Sumbe, decidiu acudir às vítimas de um acidente, que os outros automobilistas ignoravam, pedindo aos passageiros para esperarem enquanto ele fazia mais de 300 km para levar os feridos ao Hospital de Porto Amboim e regressar, para prosseguir viagem para Luanda. Ou como o dono do Discovery que de repente decidiu parar, e que olhava como um boi para um palácio para o motor, de capot aberto, à beira da estrada, no meio do nada, foi surpreendido pelo taxista que parou, e decidiu dar uma ajuda, encontrando uma solução, pois até já tinha sido mecânico na União. Ou sobre o tratamento privilegiado ao senhor engravatado cuja viatura avariou e que precisava de chegar à reunião importante. E daí, em catadupa, surgiram outras histórias e elogios. A predisposição para parar para que os transeuntes, em particular os mais velhos e crianças, atravessem a estrada. A organização em grupos de táxis, que negoceiam os contratos de serviços (muito requisitados, por exemplo, na altura das eleições), e que têm um fundo de ajuda comum, tipo seguro para situações de crise. Enfim, a sua capacidade de inter-ajuda, e de organização.

Os taxistas prestam um serviço público fundamental à cidade de Luanda. Têm que ser vistos como uma parte importante do seu funcionamento e assim serem acompanhados, acarinhados e, naturalmente, disciplinados.

Madrugadores, são trabalhadores claramente motivados e eficazes. É preciso que eles deixem de ser parte do problema e passem a ser, definitivamente, parte da solução.