quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A Alma e a Cidade - In Memoriam

As cidades não são só pedra. Só ruas. As cidades não podem sequer ser só as suas gentes. As cidades são entes vivos, que nascem, crescem, desenvolvem-se e, eventualmente, morrem. As cidades são também a sua história, e é importante preservar os marcos que nos ajudam a recordá-la, e que as tornam únicas.

Não parece que haja uma grande preocupação em preservar a alma da nossa cidade. A abrupta aparição de edifícios altos, de uma forma mais ou menos indiscriminada no casco urbano antigo da capital, não parece ter sido uma boa ideia. Não apenas porque a estamos a inviabilizar devido ao caos que essa concentração está a provocar, mas também porque a estamos a descaracterizar completamente. Vamos, a continuar por este caminho, transformar-nos em mais um cidade de prédios altos, uma urbe como tantas outras, de edifícios incaracterísticos, uma boa parte deles dependentes massivamente da climatização, monumentos ao mau gosto e inimigos do ambiente.

Mas hoje tenho que dedicar as linhas mais significativas deste texto ao mercado do Kinaxixi. Eu sei de que não estamos a falar do Kinaxixi que tão bem retrata o Arnaldo Santos, apesar da lagoa continuar teimosamente lá, ameaçando o prédio sujo, e alguma sereia decerto ali se esconder, pois, volta e meia, uma vida é reclamada pelas suas águas verdes. Era um edifício mais recente, mas um dos que mais caracterizava a nossa cidade, e talvez o mais significativo dos que assinou o Arquiteto Vieira da Costa, discípulo de Le Corbusier, e por muitos considerado o arquiteto mais proeminente em Angola.

O Kinaxixi, com as suas linhas limpas, e a sua estrutura funcional, foi perdendo a sua importância como mercado, com o crescimento do mercado informal, as complicações do trânsito, e a dificuldade de estacionamento no centro da cidade. O grave foi não ter havido quem pensasse num aproveitamento, quiçá mais nobre, de um edifício tão importante para a cidade. A estratégia foi aliás, a oposta. Abandonado, após as primeiras reacções negativas da sociedade à sua transformação, que levou a Assembleia Nacional a discutir o assunto, foi-se transformando numa cloaca, que todos desejavam ver eliminada. E assim, seguindo o processo do Palácio de Dona Ana Joaquina, aconteceu.

Luanda tem história. È uma das cidades mais antigas da costa ocidental da África sub-sahariana. E essa história poderia torná-la única. Mas estamos a apagá-la com uma rapidez tal que, não tarda, para dela irmos buscar alguma referência, teremos que Luandar no livro que o Pepetela assinou alguns anos atrás.

O exemplo do Palácio de Ferro deve ser seguido, procurando-se instituições que invistam em edifícios que dignificam a nossa cidade e que clamam por reabilitação à altura O Grande Hotel de Luanda, ali nos Coqueiros, o Dantas & Valadas, junto à Lello, o antigo Baleizão, a Biker, ou o que resta da Rua dos Mercadores, entre outros, deveriam merecer imediata atenção.

Nas cidades, a história é escrita com pedra. Preservemo-la.

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