sexta-feira, 15 de agosto de 2008

A FINA POEIRA DOS %

A poeira infiltra-se nos interstícios mais pequenos, e se não é limpa de imediato, altera a cor, e passa a fazer parte do objecto. Passamos a achá-lo normal com aquela cor. A dureza da vida de quem limpa, é a sensação de inutilidade, a permanente necessidade de limpar uma e outra vez. Sempre me afectou essa sensação de impotência perante o efeito corruptor do tempo, e a necessidade de permanente conservação. Como se não houvesse força suficiente para manter as coisas num estado impecável. Como se estivéssemos dependentes da descoberta da fórmula do moto contínuo para podermos manter todo o mecanismo a funcionar de forma inalterável ad eternum.

Quando olhamos para trás, choca-nos a degradação dos sistemas que se foram construindo. Imaginamos os gritos de júbilo e de dor num Coliseum replandescente, e que hoje não é mais do que uma caricatura do que foi. Até as pedras se degradam… Procuramos imaginar Hamurabi formulando o seu código, e pensando-o eterno, ou o Reino do Congo, com a sua organização que parecia tão sólida, e chocamo-nos com a volatilidade das coisas e dos sistemas. Das sete maravilhas da antiguidade, que tanto surpreenderam Heródoto, só as pirâmides resistem. Carcomidas e enigmáticas, completamente desajustadas no tempo, um símbolo do escárnio aos sonhos de eternidade do homem.

Mas desde cedo os grupos de pessoas que procuravam sobreviver juntos, perceberam que era preciso regras. Não podia ser apenas a lei do mais forte a determinar o que estava certo ou errado. Hamurabi, Moisés, Sidharta Gautama, as mentes brilhantes da Grécia antiga, Maomé, Rousseau, Jefferson, entre muitos outros, foram apresentando-as como a palavra de Deus, ou dos homens, para que fossem por todos seguidas, e se estabelecesse um código de conduta que permitisse alguma justiça, e se diminuísse a tensão entre os componentes de uma mesma sociedade.

É verdade que na maioria dos casos os códigos, datados como todas as realizações humanas, por conveniência ou miopia, acabaram por estabelecer injustiças. Mesmo quando as melhores intenções presidiram à sua formulação, as barreiras conjunturais, ou a simples necessidade de manter o status quo fez com que se procurasse eternizar situações que convinham ao poder, existente ou que se pretendia implantar. A escravatura, a distinção de classes e castas, a desigualdade com base no género, foram em muitos casos legislados, e fizeram com que gerações de pessoas fossem vilipendiadas com base na dita palavra divina, ou na das tábuas dos homens que se julgavam clarividentes.

A dificuldade de alterar os códigos, adaptando-os à ética de cada momento, sem os distorcer para benefício próprio, é um problema real. Mas o importante é vislumbrar na ética, o que é imutável. Os princípios que o tempo sublimou: a igualdade entre os Homens perante a Lei, a honestidade, o respeito pelo outro. Não fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós próprios.

Neste momento de mudança, não deixemos que práticas que se vêm tornando comuns se inscrevam no código de conduta da nossa sociedade como um comportamento normal.

Não deixemos que a fina poeira dos %, se estabeleça como uma regra, a que é normal o servidor público aderir.

Valorizemos o que é simples e fundamental. A honestidade, por exemplo.

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