quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O rio da Minha Aldeia

Entre os poemas de que mais gosto de Fernando Pessoa, está aquele em que ele descreve o rio da sua aldeia. É no Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro. Ele retrata a importância do rio da aldeia de cada um de nós, em particular daqueles que não têm um Kwanza, ou Longa ou Catumbela, a passar pelo meio da sua terra. Ele refere como se deve estar, e viver cada coisa, assim, de forma integral, sem distrações, num desenvolver da capacidade de nos apropriarmos das suas qualidades, simplesmente pelo que essa coisa é, não recorrendo a elucubrações sobre o que foi, o que poderá ser, ou a importância que outros lhe poderão dar. Viver o momento, e amar porque está ali.

Também eu tenho um rio na minha aldeia. E na oportunidade criada pela facilidade da viagem, fui mostrá-lo aos meus. O Caua ali estava, simples e modesto, numa paisagem que se tinha transformado desde os tempos de minha meninice. Não creio que ainda tenha muitos dos pequenos peixes que procurávamos avidamente com os cestos de vime, saindo mesmo, de vez em quando, um pequeno bagre como prémio. Hoje ele corre entre um aglomerado cada vez maior de casas, e deverá estar a sentir-se algo asfixiado. Mas ali estava, para gáudio meu, e decepção dos meus, que esperam sempre, como sinónimo da palavra ‘rio’, um equivalente ao Zaire, ou Zambeze. E foi mesmo alvo de chacota quando, na travessia da estrada da Base, ele se escondeu dos olhares curiosos, num mar de verde que o protegia.

Os rios, são caminhos que podem juntar as pessoas. Num abraço permanente e fiel, procuram unir regiões extensas, sem se preocupar com as misérias que o homem cria. O rio pode ser fronteira, obstáculo, barreira à compreensão entre os que habitam as suas margens. Daí a importância das pontes. A necessidade dos traços que os atravessam, e nos permitem continuar a jornada, de forma fácil, num eterno percorrer que nos leve a criar os laços que possam fazer de nós um povo único e uma grande nação. As pontes são monumentos à união. E é belo quando ao simbólico se junta a beleza da realização humana, como no Kwanza, no Longa, no Bengo, ou agora na nova ponte sobre o Catumbela.

No deambular pelo país, não escondo o meu fascínio pelos rios. Os sinais de esperança que nos enviam na aproximação, as pontes que nos permitem perscrutá-los durante a travessia, a saudade que deixam quando nos afastamos. Numa viagem pela marginal, é o Kwanza, o Longa, o Keve, o Catumbela, que marcam a paisagem. Se formos pelo centro, o Lucala, exuberante, o Nhia, lembram-nos da sua importância, antes de se juntarem aos seus receptores. E até nos desvios que nos levam à descoberta de novas e deslumbrantes paisagens, como na serpenteante jornada que vai da Munenga a Calulo, encontramos a poesia dos nomes, em recém colocadas informações sobre a hidrografia local. E assim vamos cruzando com o N’Dongo, o Okoge, o Lucamba, o Hire, orgulhosa e poeticamente inscritos em enormes letreiros que os anunciam na berma da estrada, antes de cada um dos pontecos que que se confundem com a estrada. Na beleza da paisagem, a curiosidade desponta. Mas na maioria dos casos, passa-se o mesmo que com o rio da minha aldeia.

Os rios, os verdadeiramente importantes, existem dentro de nós.

1 comentário:

Unknown disse...

Victor

Gostei muito das suas crônicas e de visitar o blog do seu amigo.
Parabéns

Célia - São Paulo