terça-feira, 2 de setembro de 2008

Livres e justas?

Aprecio eleições livres e justas como também aprecio ler artigos e análises sobre o nosso processo, e que sejam igualmente justas. Muitos irão escolher com base na realidade que é revelada (ou criada) pela media. Também fora do país muitas opiniões se vão formar com base na realidade comunicada (inventada, ou exagerada…) pela media. Por isso – mas não apenas por isso - devemos preocupar-nos com a justiça do que é escrito.

Leio regularmente o Jornal de Angola – mas vou falar apenas do número de 12 de Agosto, para simplificar - e li recentemente duas análises escritas sobre Angola e o seu processo eleitoral: um comunicado da Human Rights Watch de 13 de Agosto e um artigo de Lara Pawsan no Mail & Guardian de 15 de Agosto. Estas leituras levaram-me a pensar que falando em “livres e justas”, e aplicando esta combinação ao que fui lendo, me veio à mente que todos eles podem estar a expressar livremente as suas ideias mas que o fazem com um enorme deficit de justiça... São talvez livres mas não justos, portanto... Em todos eles falta o reconhecimento das complexidades, das nuances e das contradições que vivemos e que a realidade verdadeira sempre tem. É fácil de ver que os dois artigos estão de um lado e o Jornal de Angola de outro. Parece até que vivem em mundos simétricos e paralelos embora opostos. Mas, por outro lado parecem estar do mesmo lado em termos de análise simplória e parcial.

Aconselho-os a lerem criticamente estes textos e buscarem estas duas parcialidades de sinal contrário. Quanto ao Jornal de Angola podem escolher um número qualquer embora eu tenha escolhido como exemplo de parcialidade algo que me pareceu cómico. Todas estas três perspectivas “vendem” uma realidade simplista de Angola, igualmente parcial e distorcida. Por vezes dá até a sensação de estarem a abusar da nossa inteligência. Passo a partilhar com vocês apenas algumas passagens dos referidos documentos, por me parecerem ilustrar bem aquilo de que estou a falar. Se lerem os textos pode ser que encontrem até exemplos melhores do que estes meus, mas esta foi a minha escolha. Na realidade é o conjunto, de cada um dos documentos que dá esta ideia de nos estarem a querer endoutrinar. Passemos aos exemplos:

Segundo o HRW as eleições vão decorrer em 1 dia, contra a vontade do MPLA e a passividade do CNE, que pretendiam que fosse em 2 dias. Segundo ainda a HRW a decisão da votação ser em 1 dia foi devida à pressão dos partidos da oposição e da AJPD. Parece implícita a ideia que as instituições que tomaram a decisão – e onde o MPLA tem a maioria - não tiveram qualquer mérito na decisão e foram forçadas a tomá-la. É caso para perguntar: afinal a sociedade civil e os partidos da oposição são bastante poderosos para forçar o partido maioritário a tomar decisões contra a sua vontade? ou vivemos, como parece sugerir o resto do texto, num ambiente de ditadura difarçada onde o maioritário faz o que bem entende?

Lara Pawson sugere que uma das razões pelas quais Mfulupinga Landu Victor foi assassinado terá sido o ser bakongo... Já Miala, segundo ela, foi preso não se sabe porquê – e realça que é também bakongo. Estas referências às origens étnicas são realmente disparatadas e despropositadas mas coerentes com uma visão folclórica do que se passa em Angola. Imagino que Lara Pawson nem sequer saiba que Miala era o chefe nacional da segurança de estado quando Mfulupinga foi assassinado. Não que eu esteja a sugerir que exista uma relação. A forma como faz referência, em vários locais, a assassinatos – que infelizmente ocorreram realmente – parece-me a pior maneira possível e parece querer dar a ideia que aquilo não é coisa do passado. Não será isso uma distorção grosseira? Não criará isso uma imagem que representa melhor a Angola de fins de 1992 do que a Angola de hoje?

Jornal de Angola, dia 12 de Agosto – uma entrevista com Dino Matross onde se selecciona para título “O MPLA é um motivo de orgulho para os Angolanos” e uma entrevista com Camalata Numa onde se selecciona para o título “A nossa estratégia serão acções enganadoras de pequena intensidade”. Juro-vos que não estou a brincar! A falta de subtileza do editor que escolhe os títulos desta forma chega a ser cómica.

Poderá dizer-se que estes exemplos não são comparáveis. Talvez não sejam. A única coisa que quero comparar é a semelhança na atitude parcial, a mesma falta de subtileza e de reconhecimento da complexidade do que estamos a viver. O esforço, visível, para nos impingirem um quadro simplificado com bons de um lado e maus do outro, parece-me pouco eficaz. Provavelmente servirá apenas para reforçar as convicções dos que já estão convertidos e para aprofundar a desconfiança em relação àquelas fontes e às suas motivações, por parte dos que querem ser informados com verdade. Faz-me lembrar o José Mário Branco quando disse “não me emprenhem mais pelos ouvidos!”

4 comentários:

Anónimo disse...

No meu artigo, do Mail e Guardian (Africa da Sul), eu não escrevi que Miala foi preso por causa do facto que é Bakongo. Eu inclui o facto que é Bakongo, mas não surgeri que isso tinha uma ligação com o facto de ser preso.

Mas, seria muito ingénuo de analisar a morte do Mfulumpinga sem falar da etnia dela também. Não podemos esquecer sangrenta sexta do Janeiro 1993, quando muitos Bakongos foram mortes. Dizer que etnia não tem qualquer importáncia na política Angolana - na minha opinão - é pouco fiel. Porisso, eu acho que a etnia do Miala não é sem importância.

Só a minha opinão, baseou em muitas conversas com tantos angolanos da varias etnias.

Anónimo disse...

Carlos, posso dizer mais uma coisa?

Eu acho, também, que o falecido Mfulumpinga estava motivado (no mundo político) em parte por causa da cultura e história do povo Bakongo: foi fundamental na vida política dela. Mais uma vez, essa opinião está baseada das entrevistas que fiz com o próprio Mfulumpinga nos anos 1998-2003. Portanto, a etnia foi um factor na morta dela.

O que você acha?

Com respeito ao Miala, e a subida política dele, havia muita possibilidade de muitos Bakongos reunir-se a volta dele. Acho eu.

Gostaria de saber o que o Sr Carlos acha. Prefiro conversar do que discutir ou lançar ataques!

(Peço desculpas por os erros na lingua portugues...)

Carlos Figueiredo disse...

Lara, não tenho dúvida que a etnia é um elemento importante em Angola. Ele é uma poderosa fonte de identidade para muitos angolanos e é frequentemente utilizada para manipular as pessoas. Mas em relação à nossa discordância: não acho que a morte de Mfulupinga tenha nada a ver com ser Bakongo. Tenho sérias dúvidas que a morte dele tenha sido politicamente motivada. Infelizmente aqui falta o jornalismo de investigação mas a informação que tenho ele morreu de hemorragia depois de ser alvejado numa perna. Diz-se que nas aldeias as pessoas se comportam como se não existissem micróbios e doenças. Todas as mortes são devidas a feitiço dos vizinhos. Sinto que há agora algo semelhante com a politica e os jornalistas. Todas as doenças, mortes e acidentes são causados pelos opositores (isto dava um bom tema para um texto...)

Anónimo disse...

Um dificuldade da imprensa parece ser a de conseguir a publicação de opiniões que sejam não só fundamentadas, como imparciais (o suficiente para não parecer incorrecto...). O artigo da LP tem, em minha opinião, o defeito de ser demasiado parcial (de forma negativa) na visão que pretende de Angola, e de procurar sustentar essa visão por factos ou conversas que não só podem não corresponder à verdade (tudo o que se refere para justificar o que é facto é pura especulação, e há especulações sobre situações que não existem de facto)como só procuram dar a visão de uma oposição que continua a ver as coisas com um olhar completamente distorcido. Penso, sinceramente, que os resultados eleitorais foram uma penalização a essa forma ultrapassada de encarar a política no nosso país. Não reconhecer avanços em todos os níveis na nossa sociedade (a par de muitas coisas que estão mal e precisam de ser melhoradas), não é, simplesmente, honesto.