segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Felicitar mas alertar

Quem não prefere ser louvado e felicitado em vez de ser alertado ou advertido? Mas quem alerta e adverte poderá estar a prestar um serviço muito mais valioso do que aquele que felicita. Felicitar é algo que qualquer bajulador faz com facilidade, mas há quem seja pago exactamente para produzir alertas e advertências a quem paga.

Ser capaz de olhar objectivamente para quem somos ou para o que fizémos exige maturidade. O imaturo tende a negar o erro, a ser gabarolas, e a estar mais preocupado em salvar a face e em vender uma determinada imagem do que em encarar a realidade. Será que isto se aplica igualmente a indivíduos, organizações e nações?

Não sei. Mas é constrangedor ver “jovens publicações” que necessitam de fazer muito esforço para se superarem, a gabarem-se de serem os maiores do mundo ou que vão dar lições aos outros. Só para não ficarmos completamente no abstracto deixem-me ilustrar o que quero dizer com a afirmação do Jornal de Angola (sim! do Jornal de Angola de 5 de Setembro) de que “... a nossa imprensa está ao melhor nível [da dos países europeus]...”. A mim sempre me pareceu que uma área onde temos de recuperar do atraso que temos é exactamente nos media. É claro que não estou a falar de modernizar equipamentos...

Voltando aos louvores e alertas, sem dúvidas que o MPLA merece ser felicitado pela sua vitória e pela eficácia que demonstrou. Mas, seguindo o raciocíno com que iniciei estas linhas, considero que presto um melhor serviço usando este espaço para alertar, mais do que para louvar. Um parentesis para louvar: a forma sóbria como o MPLA tem festejado a sua vitória, é para mim um motivo de esperança e por isso talvez o que eu escreva abaixo seja um erro de análise da minha parte. Um outro motivo de esperança é a reacção dos maiores partidos e reconhecerem a derrota e em felicitarem o vencedor. Parecem tudo sinais do nosso amadurecimento.

Somos um novo país e, por isso, algumas atitudes imaturas podem ainda ser compreensíveis. Mesmo assim, é bom investirmos na aceleração do nosso amadurecimento. Não o fazermos agora apenas trará custos extra ao nosso já penoso percurso. Poderemos um dia dizer que somos maduros quando:

· Deixarmos de estar obcecados com outras aprovações que não sejam as do eleitorado nacional. Por exemplo, se alguém pede um visto para cobrir as eleições deveremos estar pouco preocupados com as opiniões de quem pede. As opiniões positivas ou negativas em relação ao país não deveriam ter qualquer influência sobre os nossos processos administrativos de atribuição de vistos;

· Conseguirmos, na nossa imprensa pública, convidar comentaristas - para programas da televisão ou para escrever artigos de opinião - que tenham realmente opiniões diferentes uns dos outros e até críticas em relação ao poder. Debates entre alguém que diz “óptimo!” e outro que diz “excelente!”... não parece maduro, nem moderno e não acrescenta grande coisa;

· Conseguirmos organizar as nossas realizações para servir a nossa população (eleitores, passageiros, ou utentes de um serviço qualquer) sem sentir a necessidade de querer dar lições a ninguém nem de mostrar nada a não ser aos tais utentes. Ir aprender antes e evitar erros desnecessários ainda seria melhor. Mas, maduro mesmo seria ser capaz de retirar, nós próprios, algumas lições dos erros que iremos, inevitavelmente, fazer.

O resultado destas eleições preocupa-me pelo risco que coloca em ser entendido como uma mensagem de encorajamento à arrogância – bem ilustrada por atitudes de querermos dar lições ao mundo no momento em que ainda estamos a aprender. Pode ainda ser, erradamente, entendido como um mandato para mandar calar quem não se juntar afinado com o coro que sempre canta louvores. Assusta-me a possibilidade de regressão num país que, como o nosso, já desperdiçou tanto. Para recuperar o tempo perdido necessitamos de modernizar. Talvez até mesmo modernização acelerada. Mas essa deverá estar assente na modernização das relações sociais a par com a modernização tecnológica. Relações feudais com tecnologia de ponta – acessível apenas para alguns – parece-me ter pouco que ver com desenvolvimento. A modernização de que falo assenta na pluralidade, no esbater de desigualdades sociais, na valorização da justiça social, na possibilidade de negociar ideias e interesses, na possibilidade de recorrer a instituições de arbitragem que sejam autónomas. A modernização de que falo tem a ver com sentirmo-nos todos iguais perante a lei.

Como sociedade parece que votamos mais no mono que no pluri (stereo a várias vozes?). O que, num ambiente moderno, seria debatido na media pública e negociado no parlamento poderá passar a sê-lo apenas na sede de um partido ou nos seus congressos. Haverá sempre algumas pessoas com princípios e com ideais a defenderem a decência e o interesse nacional, nesses espaços. Mas, poderemos ficar todos mais vulneráveis. Até muitos dos que estão dentro do partido vencedor. Alguns poderão dizer talvez não tenhamos uma grande mudança, que o parlamento nunca foi realmente uma arena de negociação.

Notei que quando estavam já contados cerca de 78% dos votos, 4% dos votos eram em branco. Pergunto-me como deveremos todos interpretar o sentido de voto desta importante faixa do eleitorado que se deu ao trabalho de ir até à mesa de voto, provavelmente esperar longas horas para no fim colocar um boletim em branco na urna e sair com o dedo sujo. Somando os votos em branco, os votos nulos e os reclamados somei na altura mais de 10% dos votos. Perto do segundo partido mais votado e mais do que o conjunto dos restantes 12 partidos.

Como foi possível termos chegado aqui? A incapacidade (quase demissão) da sociedade civil até de debater a democracia e representatividade no seu seio foi talvez um bom indicador de para onde estávamos a ir. A leveza com que a oposição pressionou por eleições, a contar mais com a fé do que na preparação, a falta de firmeza que tivémos (os partidos políticos e a sociedade no geral) na exigência de algumas pré-condições básicas (como, por exemplo, a garantia de uma imprensa pública independente e com qualidade) são tudo factores que contribuíram para chegarmos aqui. Sem desmérito, claro, para a eficácia do partido vencedor em comunicar, mobilizar, seduzir, etc.

Estaremos perante um recuo do nosso processo político? Ou apenas perante uma escolha, legítima, do eleitorado que irá depois fiscalizar o que se prometeu? Será o espaço para o controlo social preservado, permitindo a tal fiscalização? Teremos quatro anos para ver com o que podemos contar, retirar lições e agir. Talvez três, devido ao ano eleitoral em torno das presidenciais.

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