domingo, 21 de junho de 2009

Ás 5 da Manhã

Havia todo um conjunto de coisas que se podiam fazer às 5 da manhã! Era, normalmente, a hora em que iríamos surpreender o Sol, esse despertador universal desta vez traído, a nascer, esfregando o olho enorme, sobre uma paisagem de imbondeiros e esperança, numa agradável viagem pelo interior do país. Podia representar o acto de penitência, ligado à expectativa de umas férias merecidas, e que começavam com esse insensível despertar, prelúdio da caminhada que nos levava, ensonados, ao aeroporto. Ou a recordação das madrugadas na lavra, nas jornadas revolucionárias do passado, aprender para melhor servir, semeando, na frescura da manhã, uma paragem mais tarde para o matete, a jornada interrompida logo que o Sol fosse alto. As 5 da manhã era o limiar do místico. Antes disso, era quase obsceno!

Hoje, é a hora da já interminável fila de viaturas que se aventura, numa vaga contínua, pelas margens estreitas das vias de acesso ao centro de Luanda, dia após dia, para desaguar num mar exíguo e que, minuto a minuto, vai transbordando de carros e incompreensão. A poesia do momento foi-se, e mesmo o rei Sol, cujo olhar é ignorado pelos seus ignorados súbditos, já não se surpreende por acordar no meio de tamanha confusão.

Luanda acorda cedo. Como dizia uma cidadã, nascida na pacata vila de Calulo, numa conversa com um seu conterrâneo, que ali surpreendi: Luanda, hoje em dia, só para ir de férias! Olha só - e mostrou o telemóvel, o despertador toca às quatro e meia! E depois é só engarrafamento, até de pessoas! E aguentar isso todos os dias…

Não deixa de ser curioso, na torrente de veículos que procuram evitar a hora de paragem das águas, verificar uma certa democracia no sacrifício. Há carros de todos os tipos, e o VX, convive, aparentemente sem qualquer problema, com o starlet que já transporta os primeiros clientes. As cenas que se podem observar são as mais variadas, desde a típica cena familiar da mãe que vai cuidando das crianças ainda adormecidas, aos que aproveitam, quando têm um condutor para os transportar, para se abandonarem na ponta final do sono. Os mais sofisticados consultam mesmo os primeiros documentos do dia, à luz de uma lanterna portátil. Mas o mais comum, é ver pessoas já aquela hora com um grau de ansiedade que transparece nos olhos e nos gestos. Na brusquidão da condução. Na intolerância com que se tratam. Pergunto-me se não estaremos a perder a bonomia que nos caracterizava, caminhando, a passos largos, para o carácter cinzento que tanto criticávamos nos outros. Pergunto-me se não nos estaremos a perder nesta corrida para nenhures, na procura desenfreada por um rápido crescimento, sacrificando o importante em detrimento do imediato. Luanda está indubitavelmente a crescer. E está sem dúvida materialmente mais rica. O número de viaturas é uma prova viva disso. Mas os sonhos interrompidos, todos os dias, no abrir de olhos para a noite, está a fazer de nós pessoas mais pobres.

Como dizia recentemente o Presidente da República, no Fórum da Habitação, é preciso encontrar soluções para melhorar a qualidade de vida do cidadão luandense. É preciso criar novas centralidades, e, de caminho, preservar o pouco que nos resta de característico na nossa velha cidade. O aumento de pressão sobre a baixa de Luanda, e o seu centro histórico, com a proliferação de símbolos fálicos um pouco por todo o lado, sem a preocupação de antes se adequar a infra-estrutura às necessidades que os mesmos criam, não pode ser a solução. É preciso restituirmos a poesia ao amanhecer. E colocar, com o Sol nascente, um sorriso no rosto de cada um dos nossos concidadãos.

Temos que conseguir deixar o Sol, o despertador universal, reocupar a sua função.

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