sábado, 26 de julho de 2008

Amplificar e amortecer

Não tenho dúvidas sobre a utilidade tanto dos amplificadores como dos amortecedores. Quando uma voz é fraca, ou se quer que ela chegue a mais gente, é útil utilisar amplificadores de som. Por outro lado, quando os trabalhadores dos aeroportos ou de outros locais ruidosos são forçados a conviver com o ruído, é útil usar uns tampões nos ouvidos para o amortecer. São provavelmente mais raros os mecanismos que para uns casos funcionam como amplificador e noutros como amortecedor. Mais raros talvez porque exigem intencionalidade e capacidade de filtrar.

Vem isto a propósito do Jornal de Angola (JA), e do serviço que presta como meio para fazer chegar aos seus leitores informação sobre as diferentes realizações e posições dos, também diferentes, partidos políticos. Um público informado é um público com melhor capacidade para fazer escolhas. E na raiz dum verdadeiro jogo democrático está a possibilidade de fazer escolhas informadas. De um estudo simples sobre as capas e contracapas do Jornal de Angola no período de 1 de Abril a 30 de Junho deste ano verifiquei o que parece ser uma tendência para amplificar e amortecer de forma selectiva (voltarei noutro momento com dados mais completos para o resto do ano e para outros jornais) Em Abril, Maio e Junho, nos 91 números do JA, o MPLA surje 22 vezes nos títulos da capa e contracapa.. No mesmo perído os outros partidos que surgem também na capa são a UNITA, que surje em três títulos e a FNLA que surje em 1. Se considerarmos o nível de realce dos títulos verificamos que o padrão é ainda mais enviezado. Normalmente é fácil identificar quatro níveis de realce nos títulos. Só o MPLA aparece nos títulos principais e secundário. A UNITA e FNLA aparecem no nível quatro da capa ou até ao nível dois da contra-capa. Estará o Jornal de Angola a funcionar como mecanismo que de forma diferencial amplifica o que é dito e feito por uns e amortece o que vem de outros? Ou será que o panorama apresentado acima é apenas o resultado de um trabalho jornalístico que se limita a noticiar o que acontece? É evidente que não lhes compete inventar e dar visibilidade aos outros partidos se eles não fizerem ou disserem algo… será esse o caso?

Sou um ouvinte assíduo da Luanda Antena Comercial e não vejo este papel activo de amplificação de uns e amortecimento de outros. Sendo uma rádio privada até poderia entender se os proprietários lhe dessem um certo enviezamento, distorcendo as coisas a favor das suas preferências e interesses. Não é boa prática jornalistica mas, como trataremos noutra altura, parece ser prática corrente. Mas é menos compreensível que num jornal público surja este padrão de cobertura. Irei aprofundar esta pesquisa mas creio que poderemos desde já levantar algumas questões. No caso de existir realmente uma tendência deliberada para fazer mau jornalismo é caso para nos questionarmos sobre a raiz do problema. Orientações recebidas? Porque será que as mesmas orientações não terão o mesmo seguimento na LAC? Se existem essas orientações, o que as motivará? Falta de confiança nos argumentos positivos para que os eleitores façam uma escolha informada? Pode ser que não existam orientações explícitas (embora o caso com o Ernesto Bartolomeu, na Televisão que também é pública, pareça indicar o contrário). Poderemos estar também perante “jornalistas” demasiado zelosos e que acreditam que uma forma de consolidarem a sua posição “profissional”, ou até de serem promovidos, é mostrarem a sua fidelidade a quem está no poder.

Isto merece ser investigado e merece posicionamentos claros por parte dos que estão no poder – em particular os responsáveis pela área da informação - e dos que são candidatos ao poder. O mesmo olhar sistemático e crítico sobre outros órgãos de informação é igualmente essencial. Em que medida os outros orgãos sofrem de doença semelhante (mas ao serviço de outros é claro)?

Uma coisa parece clara: quem quer que promova a informação através de mecanismos filtrados e associados a amplificadores ou amortecedores, está a prestar um péssimo serviço público. Muito provavelmente está até a prestar um mau serviço áqueles para quem possa querer servir de amplificador.

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