sábado, 26 de julho de 2008

Diz-me quem está na tua lista…

Diz-me quem está na tua lista e eu te direi quem és… seria, neste nosso tempo de eleições, uma boa adaptação do velho ditado. Uma variante, também apropriada, poderia ser: diz-me como fizeste a lista e eu te direi quem és…

A forma como os diferentes partidos criaram as suas listas e as pessoas que nela incluiram pode dar-nos uma boa imagem do que pretendem fazer com o país. Dá-nos também uma boa ideia de como encaram o exercício da política. Se mais numa perspectiva Mugabista ou se numa perspectiva Mandeliana. Perdoem-me as referências extremas. Mais do que os programas e manifestos, as pessoas que nos estão a ser propostas são os reais indicadores do que na prática nos estão a oferecer. Em princípio estão a propor-nos as pessoas que irão conceber, discutir e aprovar as leis que nos irão reger. Em princípio serão as pessoas que, pelos orçamentos que aprovarem, vão definir se a prioridade vai para combater a pobreza ou se para podermos exibir o maior estádio, o maior arranha-céus, etc de África ou do mundo. E digo “em princípio” porque também se pode dar o caso de se esperar daquelas pessoas que apenas utilizem os braços – levantando-os quando receberem instruções para votar nisto ou naquilo.

Esperamos de um(a) deputado(a) que esteja informado(a) e interessado(a) nas questões nacionais e com o interesse do eleitorado. Por isso é útil e legítimo que olhemos cuidadosamente para as listas e tendo avaliando a capacidade dos actuais candidatos para defender o interesse comum.

Algumas pistas que eu recomendaria para essa análise, seriam:
§ Pesquisar o percurso dos candidatos que nos estão a ser sugeridos. Em que medida possuem experiência e deram provas na actividade cívica ou política. Não que só devamos apostar nas velhas guardas dos diferentes partidos mas é provavelmente arriscado estarmos a usar o parlamento como local de estágio para quem quer iniciar a sua carreira política.
§ Procurar a informação fora do circuito que gerou e propos a lista. Dessa fonte corremos o risco de que nos apresentem apenas um dos lados do candidato(a). Ou, na pior das hipóteses que até criem um lado que ele não possui de todo. É verdade que por vezes perguntamos ao vendedor informação sobre as qualidades e defeitos do produto que ele nos vende mas essa não será a estratégia mais segura para obter informação.
§ Procurar se as pessoas surgiram na lista por mérito próprio, conquistado por quem são e o que fizeram, ou se a sua inclusão parece ser uma extensão da herança familiar.

Permitam-me aqui um parentesis. Recordam-se do assassinato de Benazir Butho e da escolha do filho e do marido (provisoriamente até o miúdo criar barba…) como sucessores naturais? Imagino que como eu tenham ficado espantados ao descobrir que os modernizadores do Paquistão afinal seguiam uma lógica medieval na escolha da liderança dentro do seu partido. Este episódio preparou-nos para algumas das nossas listas de candidatos. Mas eu continuo sempre a ficar espantado com o contraste entre o modernismo dos edifícios e de alguma parte do discurso, e o anacronismo dos processos políticos (em particular a escolha das lideranças). Alguns mecanismos de sucessão na política e nos negócios parecem-me mais adaptados à época feudal.

Olhemos pois para as várias listas que devem ter ficado concluídas ontem e questionemos em que medida foram elaboradas a pensar no país. Esta pode um dos elementos chave para nos prepararmos para escolher.

Amplificar e amortecer

Não tenho dúvidas sobre a utilidade tanto dos amplificadores como dos amortecedores. Quando uma voz é fraca, ou se quer que ela chegue a mais gente, é útil utilisar amplificadores de som. Por outro lado, quando os trabalhadores dos aeroportos ou de outros locais ruidosos são forçados a conviver com o ruído, é útil usar uns tampões nos ouvidos para o amortecer. São provavelmente mais raros os mecanismos que para uns casos funcionam como amplificador e noutros como amortecedor. Mais raros talvez porque exigem intencionalidade e capacidade de filtrar.

Vem isto a propósito do Jornal de Angola (JA), e do serviço que presta como meio para fazer chegar aos seus leitores informação sobre as diferentes realizações e posições dos, também diferentes, partidos políticos. Um público informado é um público com melhor capacidade para fazer escolhas. E na raiz dum verdadeiro jogo democrático está a possibilidade de fazer escolhas informadas. De um estudo simples sobre as capas e contracapas do Jornal de Angola no período de 1 de Abril a 30 de Junho deste ano verifiquei o que parece ser uma tendência para amplificar e amortecer de forma selectiva (voltarei noutro momento com dados mais completos para o resto do ano e para outros jornais) Em Abril, Maio e Junho, nos 91 números do JA, o MPLA surje 22 vezes nos títulos da capa e contracapa.. No mesmo perído os outros partidos que surgem também na capa são a UNITA, que surje em três títulos e a FNLA que surje em 1. Se considerarmos o nível de realce dos títulos verificamos que o padrão é ainda mais enviezado. Normalmente é fácil identificar quatro níveis de realce nos títulos. Só o MPLA aparece nos títulos principais e secundário. A UNITA e FNLA aparecem no nível quatro da capa ou até ao nível dois da contra-capa. Estará o Jornal de Angola a funcionar como mecanismo que de forma diferencial amplifica o que é dito e feito por uns e amortece o que vem de outros? Ou será que o panorama apresentado acima é apenas o resultado de um trabalho jornalístico que se limita a noticiar o que acontece? É evidente que não lhes compete inventar e dar visibilidade aos outros partidos se eles não fizerem ou disserem algo… será esse o caso?

Sou um ouvinte assíduo da Luanda Antena Comercial e não vejo este papel activo de amplificação de uns e amortecimento de outros. Sendo uma rádio privada até poderia entender se os proprietários lhe dessem um certo enviezamento, distorcendo as coisas a favor das suas preferências e interesses. Não é boa prática jornalistica mas, como trataremos noutra altura, parece ser prática corrente. Mas é menos compreensível que num jornal público surja este padrão de cobertura. Irei aprofundar esta pesquisa mas creio que poderemos desde já levantar algumas questões. No caso de existir realmente uma tendência deliberada para fazer mau jornalismo é caso para nos questionarmos sobre a raiz do problema. Orientações recebidas? Porque será que as mesmas orientações não terão o mesmo seguimento na LAC? Se existem essas orientações, o que as motivará? Falta de confiança nos argumentos positivos para que os eleitores façam uma escolha informada? Pode ser que não existam orientações explícitas (embora o caso com o Ernesto Bartolomeu, na Televisão que também é pública, pareça indicar o contrário). Poderemos estar também perante “jornalistas” demasiado zelosos e que acreditam que uma forma de consolidarem a sua posição “profissional”, ou até de serem promovidos, é mostrarem a sua fidelidade a quem está no poder.

Isto merece ser investigado e merece posicionamentos claros por parte dos que estão no poder – em particular os responsáveis pela área da informação - e dos que são candidatos ao poder. O mesmo olhar sistemático e crítico sobre outros órgãos de informação é igualmente essencial. Em que medida os outros orgãos sofrem de doença semelhante (mas ao serviço de outros é claro)?

Uma coisa parece clara: quem quer que promova a informação através de mecanismos filtrados e associados a amplificadores ou amortecedores, está a prestar um péssimo serviço público. Muito provavelmente está até a prestar um mau serviço áqueles para quem possa querer servir de amplificador.

Os Discursos e a Nossa Orientação de Voto

Será que conhecer e analisar os programas e as opiniões dos líderes dos diferentes partidos é o melhor caminho para decidir pela nossa orientação de voto? Ou será que devemos é votar nos “nossos” independentemente do que pensam, dizem ou fazem?

Acreditando que o voto é uma forma de escolher, concordaremos que vale a pena analisar o discurso dos diferentes partidos e dos seus líderes. É verdade que o discurso em si é apenas um dos elementos a tomar em consideração. Observar as práticas pode ser um elemento tão ou mais importante que analisar o discurso. Práticas na maneira como os “discursadores” se comportam, ou forma como as disputas pela liderança se processam, ou ainda na forma como assuntos de interesse colectivo são geridos. Cada um de nós vai fazendo isso na medida das suas possibilidades de acesso a informação. Mas, parece evidente que entramos aqui num terreno movediço onde a comunicação social joga um papel central pelo poder que tem de mostrar a realidade ou de inventar “realidades” para induzir o nosso pensamento e comportamento.

Concentrarmo-nos no discurso que é exibido – pois, também existe discurso que é ocultado…- pode ser o caminho mais seguro. Pelo menos para começar. E é esse o exercício em que me concentrarei neste espaço.

Estou a assumir que é fundamental que os líderes e os partidos apresentem publicamente o que é a sua visão sobre o que o futuro do país e a formar que pensam exercer o poder se lhes for dado esse mandato. Normalmente esta visão do futuro, e os planos de cada partido deveriam estar assentes nos valores, nas prioridades e na análise que fazem do que são as necessidades de Angola. Permitam-me um parêntesis para dizer que nesse sentido é bastante surpreendente ouvir Luís dos Passos exprimir que não apresenta ainda o seu programa por aguardar que os outros o façam primeiro… a lógica, se entendi bem, e se existe alguma, estaria em evitar sobreposições com propostas a serem feitas pelos outros partidos. Mas, será que o programa de um partido tem de ser diferente, em tudo, de todos os outros programas? No caso de Angola, temos, como os leitores já devem estar a ver, um problema óbvio. Com um número de partidos tão elevado é provavelmente impossível formular-se um tão elevado número de abordagens alternativas e que não tenha qualquer tipo de sobreposição. Ou seja, parece que a nível do discurso – é disso que estamos aqui a tratar -, é inevitável que alguns dos partidos acabem por defender opções semelhantes em alguns aspectos.

Para além das ideias defendidas pelos partidos poderá ser interessante para nós, eleitores, explorarmos os processos internos dos partidos para chegar até elas. O foco é normalmente sobre as ideias publicamente expressas – que nem sempre são ideias que na prática se defende. Estou a assumir que um partido forte deverá ter a capacidade de criar o ambiente interno para que os seus membros participem na construção das opções que são depois apresentadas pelas lideranças aos eleitores. Neste espaço tentarei servir os leitores, contribuindo com elementos para que possam fazer a sua análise. O nosso grande desafio, que nós que termos de escolher teremos de enfrentar, é de conseguirmos encontrar os sinais que distinguem o discurso que é expressão de valores e reais opções, do outro que é apenas engodo caçar votos.

Santos a fazerem política?

Num meio tolerante em relação à batota e aos batoteiros é natural que acabem por ascender e chegar ao topo os cinturões negros da arte (não marcial) de pregar rasteiras, dar golpes baixos e fazer batota. Não será sequer justo criticar ninguém em particular por isso acontecer. Temos apenas de assumir que é assim.

Isto aplica-se a promoções no local do trabalho, à selecção de pessoal para um emprego (incluindo para juízes…), à selecção de empresas para executarem uma empreitada, à atribuição de notas a um estudante, às filas do trânsito e à decisão sobre quem passa primeiro, à atribuição de sentenças por juízes e até, em alguns casos, à atribuição do título de mulher mais bela de uma província…

Será de esperar encontrar no jogo político o uso de regras mais limpas que as usadas pela sociedade noutras situações? É claro que estou a simplificar e que nenhuma sociedade é homogénea. Há uns (indivíduos e grupos) mais batoteiros e outros mais cumpridores das regras para benefício comum. Estou pois a retirar da conversa as regras relacionadas apenas com convenções e que não se reflectem em interesses. Muitas pessoas, em Angola e noutras partes do mundo, entendem que a política – mesmo antes dos negócios – tende a ser o meio mais propício para o jogo baixo e a rasteira.

Um parêntesis: negócios e política até costumam andar de mãos dadas (mãos por vezes dadas por debaixo da mesa, por decoro…). Outras vezes não há nem decoro nem várias mãos… a mesma pode tratar da política e do negócio. É positivo que isso já começe a preocupar. Pelo menos ao nível do discurso dos políticos no poder isso já está presente, o que já é um primeiro passo. Mas também podemos imaginar os mais cínicos a dizer que a preocupação com a corrupção também está presente nos discursos deste a campanha eleitoral de 92 (até de criou uma alta autoridade para combater a corrupção) e nem por isso parece que o assunto seja realmente levado a sério… os menos cínicos poderiam defender que a falta de resultados no combate à corrupação é apenas uma questão de falta de eficácia, mais do que de falta de vontade.

Voltando à questão do tipo de jogo que devemos esperar dos nossos políticos, eu sou dos que acreditam que é fundamental sacudir os cinturões negro do golpe baixo das lideranças dos partidos, das lideranças dos países, das lideranças de seja o que for. A forma como se exerce o poder político acaba por se reflectir em quase tudo o resto. Daí a importância de forçar que o jogo político seja moralizado e moralizador. Mandela, Gandhi e outros já mostraram que isso não é impossível. Raro mas possível. Os políticos capazes de provocar mudanças profundas – do tipo da que necessitamos para acabar com o flagelo da pobreza e injustiça social que nos aflige – só podem ser pessoas com um profundo sentido moral.

Os Mobutus, os Idi Amins e os Mugabes, para falar dos piores, também nos demonstraram (infelizmente Mugabe continua a demonstrá-lo, e não se cansa…) o custo que tem para todos, quando se permite e apoia as lideranças imorais. Estes fizeram um trabalho profundo de “educar” sociedades a não premiarem o mérito mas apenas a lealdade (cumplicidade talvez seja a palavra adequada). Por vezes o mérito é castigado - se não for mérito associado à cumplicidade. Em sociedades como as estes “líderes” ajudaram a construir, a esperteza, a força e a falta de escrúpulos são qualidades bem mais importantes para singrar.

E nós em Angola? Estamos longe das lideranças à Mugabe, à Mobutu ou à Idi Amin… mas não me parece que estejamos a cultivar e a promover lideranças com moral e moralizadoras. São comuns os casos onde se premeia a cumplicidade e se pune o mérito. Sem dúvida que o aproximar das eleições oferece – se soubermos utilizar a oportunidade – a possibilidade de mudar, para melhor, este estado de coisas. E não apenas pelo voto, no dia das eleições. É fundamental que dentro de cada um dos partidos se começe desde já a construir essas mudanças. Considerando o nosso ponto de partida, isto terá de ser um trabalho de folego…

Semear desconfiança

Vamos semear desconfiança! Parece ser o lema central de muitos políticos. Atenção que não estou a propor que se forme nenhuma plataforma pela promoção da desconfiança… Pelo contrário quero reflectir sobre o dano que isto causa.

Alguns exemplos desta prática de promoção de desconfiança, tão comum entre nós:
Afirmar ou insinuar que os que têm posições diferentes das nossas não são sinceros no que defendem mas que as suas motivações reais são escondidas e interesseiras. Desta forma não se chega sequer a discutir as tais posições, utilizando argumentos, indo-se em vez disso pelo atalho mais rápido de desvalorizar quem as defende.
Acusar os que se apresentam como alternativas de liderança dentro dos próprios partidos, como vendidos ao serviço do partido maioritário. É uma variante da linha anterior.
Especular que a possibilidade de realizar as eleições em dois dias é essencialmente uma estratégia para cometer fraude eleitoral. Aliás este fantasma da fraude eleitoral aparece de uma forma quase obsessiva no discurso de muitos políticos da oposição.

Permitam-me que discorra sobre o assunto esquivando-me, por enquanto, a analisar discursos específicos…

Acusar os opositores de não serem sinceros só contribuiria para informar o debate político – e, assim, para nos ajudar a escolher em quem votar – se fosse assente na apresentação de evidências. Isso permitiria também que o acusado se defendesse. Caso contrário apenas cria (reforça, dirão alguns) a ideia de que não se pode confiar nos políticos.

Acusar outros dignitários do mesmo partido – candidatos a líder, ex-líderes ou criadores de facções… – de serem vendidos, pode criar no eleitorado dúvidas sobre a solidez de um partido que conta entre as suas altas esferas, com gente que está à venda. Imaginem as tentações que os que estão em cargos públicos não têm que enfrentar e as oportunidades para serem comprados. Comprados por empresas (estrangeiras ou nacionais), comprados por governos estrangeiros (que no fundo agem muitas vezes como representantes das empresas dos seus países), comprados, enfim, por cidadãos que querem esta ou aquela facilidade. Se um partido não tem capacidade interna para afastá-los – pelo menos do grupo que disputa a chefia interna – é de questionar se conseguirá lidar com este mesmo problema se lhe dermos o mandato para governar. O argumento de que quem está no governo parece ter também dificuldades para lidar com o problema parece um fraco argumento para conquistar o voto de alguém. Talvez um tal argumento não faça mais do que ajudar a aprofundar a desconfiança que já existe e que apenas resulta em paralisia.

Especular sobre o fantasma da fraude sem se dar ao trabalho de buscar soluções técnicas ou outras, para diminuir a possibilidade de ela ocorrer parece contribuir também para o descrédito que apenas nos retira energia.

Deveremos então confiar em tudo e todos até termos provas em contrário? Talvez não… Sugiro antes que quem é candidato para liderar deve, em vez de choradeiras, propor mecanismos e soluções que ofereçam aos cidadãos mais controlo e, por isso, mais confiança.

Mas não tenhamos ilusões, mesmo com mecanismos políticos, administrativos, controlo social, eu sei lá… quando se permite que lideranças imorais cheguem ao poder os roubos ocorrem mesmo quando existem mecanismos de controlo – vejam a propósito o que se passou com os Estados Unidos e a “reconstrução” do Iraque, onde segundo estimativas de uma pesquisa da BBC se terão roubado 23 mil milhões de dólares (sim! 23.000.000.000 dólares).

Voltando à nossa reflexão. Não será que o que esperamos dos nossos políticos é que nos inspirem e nos incutam confiança e energia para colectivamente construirmos as mudanças de que Angola necessita? Não entendo o que procuram os “líderes” que promovem a desconfiança. Estou seguro que nessa procura dificilmente vão encontrar o meu voto…

Aldeia Nova

Estive recentemente no Wako. É um prazer! Apesar daquele troço de estrada depois da Quibala que não se percebe porque não se conclui, e da falta (quase criminosa) de sinalização que quer a estrada quer as pontes que ali se estão a construir apresentam, a verdade é que dá gosto visitar aquelas paragens. Para além da emoção de vermos o nosso País renascer, a beleza das paisagens é esmagadora.

Mas, de tudo o que vi, o Projecto Aldeia Nova foi o que mais me impressionou. Não é fácil ser-se absolutamente racional sobre algo que envolve tantos aspectos cruciais, como acontece nessa iniciativa. Há não só as questões económicas, importantes e que não se devem descurar, mas também, e principalmente, as de ordem social. E isso pode tornar o projecto perigoso, pois é fácil perder-se a objectividade quando se encontram razões que emocionalmente nos compelem a aceitar quase tudo.

O Projecto Aldeia Nova pretende integrar antigos combatentes, sem cor nem fronteiras, numa actividade que permita não só torná-los economicamente activos e auto-suficientes, mas também integrados socialmente, com condições de vida dignas para si e para a sua família. É um projecto que pretende colocar os que o integram, no mapa, outra vez, após anos de conflito e de aniquilação da estrutura sócio-cultural das suas comunidades de origem.

E o mais importante neste projecto, é que ele está a funcionar. Saiu do papel, e das apresentações mediáticas, para algo concreto, que está ali à vista de todos. É tremendamente gratificante ver as novas aldeias, alinhadas e brilhantes, como numa montra, com as suas gentes desfrutando do conjunto de serviços postos à sua disposição. È verdadeiramente animador ver a mais moderna tecnologia a ser empregue nos postos de recolha de leite, nos centros de criação de frangos, ou suínos, saltando-se gerações tecnológicas rumo ao futuro. As escolas, as casas com os seus jardins, e toda a infra-estrutura a funcionar.

É claro que há preocupações a que não podemos deixar de atender: a que custo se está a conseguir o que se pode ver? Qual a eficiência do pólo industrial? Que produtos estão a chegar ao mercado, e com que grau de competitividade? O modelo centralizado de gestão adoptado, não retira eficiência ao projecto? E, quem leu livros sobre a MOSSAD, pode mesmo ter outro tipo de preocupação…Mas a verdade é que não podemos deixar de reconhecer o enorme trabalho que ali está realizado. As centenas de famílias já integradas. Infra-estruturas recuperadas. O reanimar de uma região adormecida. A formação de uma geração que, em contacto com formas muito mais evoluídas de produção agro-pecuária, estarão em condições de, no futuro, tirar rendimentos muito superiores, e entender muito melhor todo esse processo.

O Estado de um país com a nossa trajectória tem que ter consciência das suas elevadas responsabilidades sociais, e da necessidade de investimento em acções que permitam potenciar-nos para competir no futuro com os outros países, nesse injusto mercado global dominado pelos países mais ricos. Não há outra forma que não esta, de investir em projectos complexos, integrando o máximo de angolanos, e colocando-os em contacto com a tecnologia mais recente, e as melhores práticas. E se esse investimento puder ser feito agregando justiça social, e uma equipa de gestão competente, então diria que estamos perante uma solução óptima. Foi algo assim que me pareceu ver no Projecto Aldeia Nova.

Que haja visão e ousadia para investir agora, para poder colher no futuro.